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Temos que acabar com a ideia de que a escola não leva a nada


Por Flávio Lauria

25/04/2024 8h59 — em
Espaço Crítico



Fiquei feliz em saber que em Manaus, a educação municipal, teve altos índices no Ideb, dando em contrapartida aos professores o décimo quarto e decimo quinto salário.

Como professor desde o segundo grau no colégio Solon de Lucena, até passar por quase todas as universidades de Manaus, como professor de graduação e pós-graduação, sempre me deu curiosidade de saber a razão que faz garotos e garotas pobres não se interessarem pelos estudos e não acreditarem que a escola possa dar redenção à vida de privações em que vivem. Durante toda a minha vida ouvi de tudo e, claro, acreditei em muitas das opiniões, embora não aceitasse com convicção nada que eu ouvia ou acreditei. O tempo está passando e a questão permanece a mesma, até hoje - isso num momento de nossa sociedade onde entraríamos melhor no próximo século, se pelo menos metade da população tivesse nível superior e fosse assegurada com garantias mínimas de proteção social. E agora há pouco um amigo, professor de uma universidade, me pede para pensar um tema que possa levantar o ânimo dos estudantes, algo que eles possam colocar como parte dos seus pensamentos no dia-a-dia, pois parece estar havendo uma depressão coletiva. Quero saber qual é a questão que mais incomoda, aquilo que está colocando os alunos para baixo. Pergunto, mas estou imaginando que, a julgar pela Imprensa e pelo sucesso que a mídia tem feito com reportagens policiais, a resposta é óbvia: violência.

Mas não é, para meu espanto e surpresa, colocado de maneira explícita e direta. O desinteresse pela educação é que é a regra e a ideia que quem está no poder abusa do poder para ficar mais rico é a base. Eu tenho cá para mim que as aulas devem ser maçantes e decorebas, sem nenhum sentido prático, uma coisa que deve mesmo incomodar a quem não vê como aplicar tudo aquilo no seu mundo limitado por miséria material, ambiente de sobrevivência em alerta, relações sociais desafiadoras, sem acreditar no trabalho. Também penso que a educação básica é isso mesmo, voltada para formar oportunidades de escolhas e instrução.

E esse desinteresse não é de hoje, mas vem de muito tempo. Nas classes trabalhadoras sempre foi motivo de orgulho para os pais verem os filhos ainda cedo indo para o trabalho. E sempre foi motivo de justificativa dizer que as coisas iam mal na escola porque a rotina do trabalho era massacrante. Era importante trabalhar e, se desse, estudar. Se a pessoa fosse voluntariosa, dava tudo de si, trabalhava e estudava. Na maioria dos casos, havia um momento de basta e a escola ficava para uma outra vida, principalmente quando se ia aprendendo algo prático, com um salariozinho melhorado e ambiente de trabalho com estabilidade, adeus escola.

Parece é que o desinteresse já não vem daí. Está todo mundo, de canto a canto do Brasil, pregando que o justo e o correto é a corrupção e cita exemplos ilustres, associados a verdades e a boatos, mas sempre exemplos que nem deveriam servir de exemplo para mais nada. E a garotada nem acredita em escola, tampouco em trabalho. O mundo das múltiplas marginalidades é envolvente e rentável. Qualquer dinheiro a mais, em menor tempo de trabalho, e com um grau de perigo amparado por uma arma igual ou melhor que a da polícia, justifica não ter perdido tempo com escola e com trabalho.

Isso não vai acabar bem. A escola não está sofrendo apenas a pressão do impacto civilizatório da passagem do industrialismo para a sociedade da informação, como podemos assistir em qualquer lugar. No Brasil, nas regiões metropolitanas, nos cinturões de pobreza de toda má-sorte e conflitos, forma-se uma multidão de desinteressados no saber formal e teórico, movido por um sentimento prático de que a escola não leva a nada e o trabalho escraviza homens e mulheres, mantêm-nos na miséria, sem qualquer esperança de salvação. E a mídia sempre pode nos mostrar que a maioria está por fora das oportunidades e que quem não sabe ganhar dinheiro fácil, quem não sabe se apropriar de patrimônios alheios, quem não tem amigos nas esferas sociais certas, na maioria dos casos movidos por favores e dinheiro, quem não sabe nada disso, é otário e não sabe de nada.

É esse o pensamento moral brasileiro que está se formando. E eu fico pensando que pode não acabar bem, apesar da história nos dizer que somos um povo acostumado a aceitar a tudo resignado e indignado, mas sem senso de justiça, por não acreditar na Justiça.

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