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O que vamos comer no futuro? Insetos, tesouros do fundo do mar e alimentos sintéticos são algumas soluções

Por Portal Do Holanda

20/10/2018 9h08 — em
Bizarro


Foto: Reprodução

RIO — Por volta de 2050, seremos 10 bilhões de habitantes na Terra. E, se hoje já não há comida para todos, a projeção pode ser assustadora. Enquanto a população aumenta, cientistas e profissionais da área de gastronomia buscam soluções que vão desde um cardápio com insetos, ricos em proteína, à conquista de novas fronteiras, como os oceanos.

Entre tantas apostas, ganha força a corrente que defende mais diversidade de cultivos. E também a que acredita na concentração das necessidades nutritivas básicas numa única garrafinha, ou numa pílula. A fantasia futurista, afinal, não está longe de nós.

A questão é tão urgente que eventos sobre o tema têm se multiplicado pelo mundo. Na última terça, Dia Mundial da Alimentação, um seminário realizado em São Paulo pela revista “Scientific American Brasil” debateu o futuro da alimentação. Há três semanas, a sede nova-iorquina do Google recebeu o evento Food Forever Iniciative NYC, em que dez chefs criaram pratos para apresentar “o sabor do futuro da comida”.

Enquanto isso, aqui no Rio, no Museu do Amanhã, 17 cientistas e pesquisadores brasileiros e estrangeiros vêm trabalhando como consultores de uma exposição sobre o tema. A mostra, que será inaugurada em abril de 2019, tem o título provisório de “A comida do amanhã”. E como será esse amanhã?

— Acredito fortemente que vamos comer alimentos diferentes no futuro — aposta o inglês Colin Khoury, pesquisador do Centro Internacional de Agricultura Tropical, em Cali, na Colômbia, e um dos consultores da exposição carioca. — Especialmente fontes diferentes de proteínas, como insetos, algas etc. Estamos testemunhando um interesse crescente por alimentos novos. E chefs-celebridade podem ajudar os consumidores a aceitar e demandar novos alimentos.

Grão ancestral

Hoje, startups já investem milhões na produção de carne sintética. Para evitar o estrago produzido pela agropecuária, cientistas tentam inventar uma carne de laboratório tão saborosa quanto a real, mas sem abater animal algum nem derrubar árvores. Em 2013, o farmacologista holandês Mark Post lançou o primeiro hambúrguer de carne sintética do mundo, colhendo e replicando células dos animais. O desafio agora é aprimorar o resultado.

Com ou sem máquinas, a tendência principal é buscar novos alimentos. O inglês Khoury cita como exemplo a Mater Iniciativa, time de pesquisadores que viaja pelo Peru recolhendo ingredientes, às margens de rios ou na gelada região de Puna. Depois, os insumos vão parar em pratos do badalado Central Restaurante, em Lima.

Outro exemplo é o chef Pierre Thiam, senegalês com restaurante em Nova York, que descobriu no sul de seu país natal um grão ancestral, o fonio. Numa palestra no TED, já visualizada mais de um milhão de vezes, ele dissertou sobre o cereal, que defende ser o mais antigo já cultivado na África (remonta a 5 mil anos) e especial porque “cresce facilmente e rápido”.

— Levando em conta que a agricultura hoje usa 70% da água do planeta, e a monocultura é responsável por 30% da emissão de gases, vai ser impossível alimentar 10 bilhões usando os métodos de cultivo que temos hoje — diz ele. — Precisamos repensar nossa agricultura voltando aos grãos ancestrais que são mais resistentes, usam menos água e exigem menos do solo.

Se hoje, 80% de tudo o que é plantado no mundo se resumem a quatro espécies — milho, trigo, arroz e batata —, a diversidade é mesmo uma boa aposta.

O fonio “descoberto” por Thiam foi uma das atrações do evento no Google. Além dele, entre outros ingredientes pouco comuns, havia grilos, algas, um feijão (Tepary) cultivado por povos pré-colombianos, moringa, uma planta rica em nutrientes, e o ulluco, uma raiz andina.

Oceanos são a próxima fronteira

No Brasil, a preocupação se reflete em pesquisas para otimizar a produção animal, além de uma diversificação das fontes de proteínas vegetais. Sendo assim, o país larga em vantagem já que possui mais áreas de cultivo.

— Pensando na alimentação do futuro, outros países estão mais avançados nas pesquisas para proteínas de algas e insetos — nota Caroline Mellinger Silva, da Embrapa Agroindústria de Alimentos e Doutora em Bioquímica. — A realidade aqui é diferente, temos alternativas. Com mais tecnologia e produtividade, podemos ser o maior produtor de alimentos do mundo.

De olho no que virá, o chef Alex Atala e o produtor cultural Felipe Ribenboim promoveram em janeiro o seminário Fruto, com 30 especialistas do Brasil e de outros países, para expor opções para alimentar o mundo de forma limpa e com qualidade. Além de 620 convidados, o evento alcançou 100 mil pessoas com transmissões pelo Facebook e Instagram, e gerou “sementes” que continuarão em debate. Entre elas, a constatação de que “os oceanos são a próxima fronteira”, e de que é preciso “fortalecer a alimentação local”.

“Num momento em que as pessoas estão cansadas de alimentos manipulados, vemos uma preocupação em recuperar ingredientes naturais, com preparações ancestrais.”

Se antigamente a adoção de novos ingredientes passava pela importação de iguarias europeias, a tendência contemporânea é valorizar o nacional, observa Carlos Alberto Dória. Doutor em Sociologia pela Unicamp e diretor do Centro de Cultura Culinária Câmara Cascudo, ele cita o caso do queijo canastra: até pouco tempo visto como um alimento mais popular, foi elevado à condição de iguaria pela elite. Mas com um tremendo efeito colateral: o preço dobrou.

— A tendência é redescobrir o repertório de consumo das classes populares — diz o pesquisador, autor do recém-lançado “A culinária caipira da Paulistânia” (Três Estrelas). — Comer formiga, por exemplo, é um hábito alimentar indígena no Vale do Paraíba. Se algum chef levar isso para o restaurante, pintar de dourado e servir com abacaxi, pode transformar em uma tendência para a elite.

Ele acredita, no entanto, que não há mais um “discurso uniforme” para definir a culinária brasileira. Nossos hábitos, especialmente os dos grupos mais elitizados, são movidos por diferentes ambições de consumo:

— O mercado tem se organizado em nichos: o dietético, o vegano, o agroecológico. É um setor muito dinâmico movido por ideias gastronômicas da moda.

— O que podemos pensar como a comida do futuro, para nós, já é a comida do presente — afirma o chef Rafa Costa e Silva, do restaurante Lasai, no Rio. — Todos os nossos ingredientes verdes vêm de nossas hortas e de produtores locais. Muitos chefs dizem fazer comida brasileira, mas usam ingredientes da Amazônia, a cinco horas de avião do Rio. O impacto ambiental seria menor trazendo ingredientes da Argentina.

Para a crítica de gastronomia do GLOBO Luciana Fróes, a julgar pelo que muitos chefs vêm fazendo, “a comida do futuro pode ser uma volta ao passado”:

— Num momento em que as pessoas estão cansadas de alimentos manipulados, vemos uma preocupação em recuperar ingredientes naturais, com preparações ancestrais. A onda da culinária molecular, das espumas de Ferran Adrià, está passando. Hoje, as cozinhas têm menos traquitanas e estão mais focadas no sabor dos alimentos.


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O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

ASSUNTOS: comida do futuro, insetos fritos, população mundial, Bizarro

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